"Não abandonar nem por uma hora sequer o trabalho legal. Não acreditar nem um só instante em ilusões constitucionais e «pacíficas». Criar imediatamente em toda a parte e em tudo organizações ou células ilegais para publicar folhetos, etc. Reorganizar-se imediatamente, disciplinada e firmemente em toda a linha."

Lênin em "A situação política"

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Luta armada - Teoria da Guerra Popular

Luta armada - Teoria da Guerra Popular
Escrito por Wladimir Pomar
06-Out-2009
A experiência dos embates com os grileiros, na região de Colinas, sofreu
críticas severas do comando da quinta tarefa. Fui acusado de colocar em
risco todo o trabalho de preparação da luta armada, cometendo um grave
atentado à disciplina e à segurança.
O tom das críticas subiu ainda mais quando tentei argumentar que tal
experiência mostrava a necessidade de criar vínculos políticos com os
camponeses, antes e como condição para o desencadeamento da guerra popular.
A mais suave delas acusava este ponto de vista de resistência à guerra
popular, embora naquela ocasião eu continuasse considerando necessária uma
guerra popular para derrubar a ditadura.
O que nos empurrava para esse caminho era o flagrante endurecimento do
regime, mesmo contra os que defendiam um caminho pacífico. Não levávamos em
conta outros fatores que estavam mudando a situação nacional, como a
modernização dos latifúndios e a consolidação de novas condições para o
crescimento econômico. Ainda acreditávamos que a ditadura militar viera para
manter uma situação de atraso progressivo e transformar o país numa colônia
dos Estados Unidos.
Por isso, foi basicamente a disputa de visões a respeito do trabalho e dos
vínculos políticos com as massas, como condição preliminar para a luta
armada, que marcou todo o processo de elaboração do documento 'Guerra
Popular, Caminho da Luta Armada no Brasil', publicado em janeiro de 1969. O
texto original, para discussão no comitê central, sequer se referia à
necessidade de tais vínculos como condição para o desenvolvimento da guerra
popular.
Todas as referências a isso só foram incorporadas ao texto após vencer
resistências aparentemente inexplicáveis. Afinal, a teoria política
revolucionária parte do pressuposto de que revoluções sociais e políticas,
de qualquer tipo, só têm condições de sucesso se contarem com a participação
de milhões de pessoas.
Porém, para ser justo com os que dirigiam o trabalho da quinta tarefa, eles
também afirmavam isso, e a admitiam no trabalho fora das zonas de preparação
militar. O problema residia em que pressupunham que os milhões se
incorporariam após o desencadeamento da luta armada nessas zonas, onde
qualquer trabalho político preliminar poderia ser descoberto e desbaratado
pela repressão policial-militar. O que prejudicaria o trabalho militar, e
impediria a incorporação desses milhões à luta.
Era um argumento lógico reforçado, ainda mais pela idéia de que as condições
para a luta armada estavam dadas. Com isso, justificavam que o trabalho
militar naquelas zonas, além de secreto, deveria ser desligado de qualquer
trabalho político preliminar.
Hoje isso pode parecer surreal. Mas naquela época essas idéias eram
sinceramente abraçadas por um grande número de revolucionários, comunistas e
não-comunistas. Então, na prática, embora tenham aceitado a incorporação de
conceitos sobre a necessidade do trabalho político, os dirigentes da
quinta-tarefa não os levaram em conta para nada.
Isto ficou claro, logo após a reunião do comitê central, no encontro de um
dos principais comandantes da quinta-tarefa com o grupo de trabalho sob
minha responsabilidade. A tentativa de argumentar com o que estava escrito
na decisão do comitê central foi em vão. Mesmo porque os outros membros do
grupo também concordavam com a idéia de que o trabalho político deveria ser
a posteriori.?Assim, fiquei em minoria de um. O que me levou a recusar a
ordem de transferência de Colinas para o sul do Pará, e acarretou em meu
afastamento, sob a acusação de deserção.
No final de 1969, esta decisão foi reconsiderada, em virtude das quedas e
assassinatos de vários dirigentes partidários, que causaram um rombo no
núcleo dirigente. A comissão executiva se viu na contingência de sugerir que
me deslocasse para o Ceará. Queria organizar uma base partidária que
servisse de reserva estratégica para quando a luta armada fosse
desencadeada. Para aceitar a missão, sugeri que não revelassem minha
condição de membro do comitê central, que o trabalho tivesse como eixo a
criação de vínculos diversos com as massas e a construção de organizações
partidárias, e que atuássemos nos fingindo de mortos, para não sermos
detectados pelas forças repressivas. A luta armada seria apenas a quinta ou
sexta tarefa.
Essas sugestões resultaram em discussões nem sempre amigáveis. Em especial,
a idéia de fingir-se de morto era tida como uma proposta de inação completa.
Embora fosse essa a norma geral para a quinta tarefa, ela aparecia como
absurda no desenvolvimento das demais atividades partidárias.
No entanto, o que propúnhamos era justamente combinar uma intensa atividade
social e política, sem chamar a atenção da repressão, abstendo-nos de fazer
propaganda partidária. Os militantes deveriam confundir-se com os segmentos
populares, conhecer seus problemas, situação e suas aspirações, lutar junto
com eles, mas só abrir a presença do partido para aqueles elementos de massa
que houvessem demonstrado capacidade e espírito revolucionário na prática da
luta.
Apesar das divergências, a proposta foi mantida e esse trabalho no Ceará
desenvolveu-se entre final de 1969 e início de 1973.
Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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